quarta-feira, 8 de julho de 2020

Tempo pesado

Volto a escrever aqui no Blog depois de sete anos e meio. Faço isso em meio à pandemia do Coronavírus.

O objetivo dessa postagem é colocar um relato pessoal que sinto a necessidade de fazer. Faço isso em meio (repetição de palavras, diria um revisor) a um quadro de saúde meu que acredito ser de ansiedade em um nível forte, patológico. Mas isso dito dessa forma pode ser interpretado de múltiplas maneiras por quem estiver lendo. Por isso, primeiro, explico o tal quadro, o que exige uma contextualização.

Hoje faz dois meses e cerca de dez dias que fui demitido do Grupo RBS, onde trabalhei por praticamente cinco anos (só faltaram dez dias para fechar redondo). Lá, atuava como apresentador e repórter da rádio Gaúcha Serra e repórter do Pioneiro. Na verdade, o que eu fazia, para dizer de um modo resumido, era um trabalho multitarefa de produção jornalística em uma redação integrada, reunindo a rádio, RBS TV, e o Pioneiro site e impresso. Fui admitido e comecei a trabalhar em 04 de maio de 2015, e fui demitido em 24 de abril de 2020, com a pandemia já em curso. A demissão partiu da empresa, que, na mesma ocasião, demitiu outros profissionais.

Cito isso porque acredito que seja relevante para o quadro, embora não seja o único fator, e talvez nem seja o mais importante. Há outros fatores que acredito que contribuam, e são justamente eles que me motivam a escrever a respeito aqui, porque fazem parte deste "tempo pesado", fatores que irei abordar mais à frente.

Explicando então o meu quadro em si: ele não ocorre como uma situação de ansiedade "normal", como sempre costumei ter ao longo da vida. Isto é, sempre foi normal para mim ficar de mãos frias e ter o meu intestino, digamos, se manifestando de forma diferente, em situações específicas. Geralmente, eu ficava assim no dia anterior quando, no dia seguinte, sabia que teria de passar por alguma situação que exigiria algum tipo de desempenho da minha parte, seja um teste na minha época de escola ou uma entrevista difícil na minha vida profissional. Eu tinha esses sintomas até a tal coisa - o teste ou a tarefa que fosse - acontecer. Passado o evento, os sintomas passavam também e eu voltava ao normal. E, em todos os casos, eu sabia a origem da ansiedade. Era sempre algo evidente, óbvio, facilmente identificável. E era essa preocupação bem aparente que desencadeava os sintomas.

Desta vez, era segunda metade de junho já, há algumas semanas: eu estava sentado no sofá da sala, à noite, fazendo algumas coisas no celular e vendo a TV eu acho, quando senti uma palpitação. Meu coração bateu estranho e começou a me dar um desconforto no peito. Eu já sabia que eu poderia ficar nervoso com algumas situações, mas ali não tinha nada óbvio, identificável, palpável, que, em tese, pudesse me deixar ansioso. Mesmo assim, tive esse sintoma físico. Tinha tido esse sintoma antes na vida, raras outras vezes, e de forma mais leve que esta.

Como não parecia ser referente a nada em particular, me deu um pânico porque lembrei de um tio que morreu do coração aos 33 anos e de uma tia que morreu na casa dos 40, além de essa ter sido a causa de morte de outros parentes. Pensei que pudesse ser um ataque do coração se formando, o que só fez eu ter mais palpitações e ter mãos suadas e meio que formigando. A intensificação dos sintomas corroborava o que eu estava pensando, só agravando o quadro de ansiedade. Cogitei ir ao plantão, mas a minha esposa me amparou e me acalmou.

Depois disso, marquei consulta com meu cardiologista, que está me avaliando. Já fiz alguns exames e tenho que retornar ao consultório com os resultados para o médico ver. Exames iniciais mais básicos indicam um funcionamento normal do coração. Familiares já opinaram que isso que tenho de fato pode ser ansiedade.

Tive receitado já nesse momento um calmante para tomar em caso de necessidade e, quando tomo, não sinto as palpitações do coração. Pelo menos tem sido assim até agora. É que não sinto os sintomas todos os dias. A situação varia muito. Há dias em que permaneço calmo, e há dias que são mais complicados.

Não sei o que veio primeiro: o ovo ou a galinha? Seria uma arritmia, digamos, "natural", que desencadeou a crise de ansiedade, ou a ansiedade desencadeou esse sintoma cardíaco, que, por sua vez, retroalimentou a ansiedade? Essa resposta ainda não tenho neste momento.

De qualquer forma, ela, a ansiedade, está presente. E isso provavelmente por conta de vários fatores que resultam nesse "tempo pesado" que estou percebendo.

Em primeiro lugar no que me vem à mente (não que seja mais importante; talvez seja, talvez não), a incerteza, a falta de perspectiva é um forte fator desse peso geral. Até quando vamos viver desse jeito diferente, usando máscaras, limpando as coisas com álcool 70% e lavando as mãos com muita minúcia e frequência, evitando aglomerações e com recomendações de distanciamento social? Com a imprevisibilidade de quem pode ser infectado e de quem poderá desenvolver forma grave da doença? Com regimes de abertura do comércio e serviços em geral que podem mudar a cada semana em função da ocupação de leitos hospitalares? Sem aulas nas escolas e com movimento baixo nas ruas? Esse cenário dilacera a economia, afeta muito a confiança das pessoas para tudo, não só para consumir, mas para desempregados como eu encontrarem um emprego, quem continua empregado em continuar empregado, ou quem está parado ou quebrado investir em algum tipo de atividade econômica, sabendo que as chances de sucesso são pequenas  agora e que levará algum tempo para voltar ao normal depois que a parte pior da pandemia passar. E essa anormalidade de movimento nas ruas, a ausência de  vans escolares, de mais carros, de mais ônibus, de  mais gente para lá e para cá vivendo uma vida normal, causa angústia. Ficar sem ver membros da própria família causa muita angústia.

Outro fator é a morte em si e o contexto em torno dela. A dor das famílias que perderam seus entes queridos é algo sobre o que não posso falar, apenas lamentar com muita tristeza. E quem não perdeu um ente querido ou não foi hospitalizado teme pela própria saúde e de seus familiares. Outra questão é que a morte por covid-19 não permite velar os mortos, o que traz mais sofrimento ainda às famílias. Mas há mortes por outras causas também e, com isso, há a preocupação de que possa haver mortes pela eventual ausência de atendimento hospitalar diante de um quadro de superlotação em função da pandemia. Some-se isso à incerteza de até quando essa situação vai continuar e acredito que tenhamos um terreno fértil para a ansiedade.

Mas há mais um fator de muita preocupação, e que já estava assim antes da pandemia e inclusive dividindo famílias: a agressividade de muitas pessoas. A agressividade para opinar, uma ironia ferina para machucar, a mania de rebater com fel aquilo que outros dizem, essa coisa dos nervos à flor da pele. Isso se manifesta muito na política. Quando a pandemia chegou, a discussão no campo político se misturou muito com a própria pandemia no que diz respeito às medidas adotadas por líderes políticos para conter as perdas com a doença e as divergências entre atores políticos refletidas de forma geral na sociedade. Vivemos muitas brigas, muita maldade verbal, que encontra nas redes sociais um catalisador. E isso também faz muito mal.

Então, faço um apelo a todos que por algum motivo vierem a ler isso. Não provoque mais peso ainda neste tempo já pesado. Por favor. De um ponto de vista emocional, seja a cura, e não a doença. Não busque embates, saia dessa. Vamos agir para diminuir esse peso todo. Diga coisas boas, seja gentil, ignore provocações e manifestações pobres de espírito. Ligue para conversar com seus familiares e amigos, troque palavras doces com as pessoas. Não sabemos quanto tempo cada um de nós tem aqui ainda. Então, por favor, vamos fazer valer cada palavra, que ela seja de cura e de apoio, que seja de bem de verdade, que seja de amor, não de ódio, não de indiferença, não de agressão.

Por favor.






















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